Ontem morreram mais de 50 pessoas num ataque homofóbico num clube dos EEUU. O terrível sucesso chegou a nós quase ao mesmo tempo que acontecia. Aos poucos minutos conhecíamos as conversas de whatsapp que algumas vítimas tinham com a sua família antes de ser atingidos. A sensação de terror é muito forte. Em breve, as redes enchem-se de mensagens de condena e solidariedade.
Ante ontem, aparece o corpo sem vida da mulher desaparecida em Santiago. As primeiras investigações dizem que foi acidente, parece que desta vez polícia, juiz e forense foi mais rápido que as próprias redes sociais. A conclusão véu rápido, quase sem dar-nos tempo à indignação.
Na semana passada apareceram mais de cem cadáveres nas areias do Mediterrâneo, sofremos e indignamo-nos. Não há ninguém alheio ao sofrimento. Dura aquele minuto em que lemos a notícia mas não há espaço para muito mais. Chega a seguinte notícia para a comoção. Sim, eu também estou aqui, comovendo-me com as notícias, sofrendo e indignando-me ao ritmo que marca a actualidade.
No meio, alguém assiste ao concerto mais emocionante da sua vida e eu que também estava ali sinto a necessidade de mostrar a minha paixão. Mas de repente algo quebra e tenho que parar. Por um momento sinto que a dor não é minha, é só uma réplica das dores replicadas na grande aranheira. Eu sei, não faz diferença e a ninguém interessa, mas talvez deva procurar a minha própria dor e fazer algo com ela.
Talvez essa emoção não tem passado por mim, apenas tem atravessado o corpo como um vento frio. Rápido, sem deixar marca. Neste momento preciso sentir as marcas, os roxos na pele de cada mágoa. Não deixar que passe e venha o seguinte. Sentir. Com o tempo paralisado no horror. Com o tempo também paralisado na beleza quando acontece.