Da conceição do tempo perdimos as antítesis: fim de semana deixou de opôr-se a semana e pudemos, por fim, viver um dia atrás de outro; mudamos a ordem das enumerações: pequeno almoço, almoço, lanche e ceia foram virando e dando voltas até que a comida aconteceu com a fome. O dia voltou a contar-se pela luz e a noite pela escuridão, mas os dois viraram silêncio e ocultaram todas as onomatopeias. Os paralelismos tomaram conta de nós e todo começou a ser "como aquela vez", só que aquela vez nem sequer éramos vivos e o paralelismo tornou então apenas um símbolo. E de símbolos enchemos as janelas.
Entretanto, todos nós andamos na búsqueda da metáfora perfeita que dé sentido. A vida, no fundo, não é apenas uma retórica vazia.
Já o diziam os filósofos: só no movimento podemos pensar. Ninguém teve paciência para saber se as filósofas opinavam o mesmo, talvez elas se tiveram que conformar com pensar confinadas nas suas domesticidades. Agora que estamos todas (e todos) confinadas, faço minhas as suas palavras. Só no movimento se pode pensar.
Limitada pelo meu corpo limitado à sua vez pelas paredes, o meu pensamento reduz-se a mim mesma. Quem sou, que sinto, que faço, por que é que sinto desta maneira e não outra... Eu sou uma matéria previsível e desinteressante que se repete a si própria sem pudor. Tento sair de mim mesma e só alcanço a ver outros eus que se repetem a si próprios sem pudor. No meu sonho mais repetitivo do confinamento, perco os limites do meu corpo sumergida em qualquer mar. Só a isso é que aspiro.