Dedicar uma noite à magia, visitar as fadas e deixar que as lembranças se apoderem de tudo, o teu avô, careca, velho, lavando a cara com água de rosas para manter a beleza, a casa cheia de milicroques e rosas nos buratinhos que o barro deixa entre pedra e pedra, os irmaos pelejando por ser os primeiros em recolher as ervas, o cheiro a verao. Voltar a procurar no ceu as cores que adiantam o que vai vir, se é vermelho alaranjado o verao vai ser bom, seco, com calor, se é azul clarinho pode haver dias de frio, se é cinzento ameaça a chuva. Desejar cada ano o vermelho alaranjado, a cor do lume, desejar cada ano que o verao comece, que a noite seja curta e mágica, ser céptica com os contos de meigas e os remédios do avô, só para descobrir vinte anos depois que essa magia é a única em que podes ter fe. Acreditar.
apenas respirar, olhar o dia alvorecer e deixar passar, surpreender a vida aceitar que o mundo não é fermoso e ainda assim... sentir o frio na pele e acalentar um verão escolhido para mim, jogar longe a pluma e a fe, alimentar o silêncio e acreditar
Um bocadinho por fora da vida, da tua. Espectadora dum filme que é a tua vida mas não é. Tudo tão sem sentido. Tão incompreensível. O único que realmente compreendes é a dimensão da matéria. O espaço que ocupas da unha do pé à ponta do cabelo. O teu peso exacto. Os miligramos que fazem a diferença. O resto, assunto para a poesia e essa, hoje, agora, foge de ti. Saudades da poesia, das palavras que acariciam essa parte da
existência que não podes medir.