Quantos passos cara atrás tenho que dar para avançar um cara diante? Quantas determinações fracassadas para uma conseguida? Quanto tempo precisa uma para conhecer-se e continuar errando até dar com o correcto? Quanto sofrimento mais para voltar à alegria, aquela que sempre me acompanha, a que me faz responder sim quando alguém pergunta se sou feliz... Porque esqueço que sou feliz com demasiada facilidade, porque todo muda uma vez trás doutra, e falta-me uma segurança à que agarrar-me. Quanto?
A determinação segura e a seguridade determinada, condicionada. Nervos por ter tomado uma decisão necessária ou por não saber se a capacidade é suficiente. É preciso, é mesmo preciso ser um monolito. Inteiro. Sem brechas. Por uma vez ser forte para sempre, definitivamente. Erguer as costas e dar um passo firme. Dizer não. E desfrutar como nunca de cada minuto, de cada segundo. Desfrutar das bolachas molhadas no café -ou na infusão tranquilizante, tanto faz-, do sol da primavera e da chuva do inverno tudo misturado, como se os géneros já não tivessem sentido tampouco para a Natureza. Nesta mistura impossível que é a realidade, a modernidade depois da pos-posmodernidade. Sem catálagos, sem nada que nos defina.
Por uma vez, ter a definição exacta. Classificar. Fechar numa lista de características para saber porque isso não. Ter uma meta, e uma rota definida pola que caminhar. Por uma vez que não esteja tudo escravizado pola improvisação, que não tenha que adaptar-me cada dia a uma realidade nova. Não, por uma vez ter tudo claro. Saber que amanhã vai ser igual que hoje.
Por uma vez não ser moderna nem tolerante.
Desta vez as metáforas não ajudam, apenas ocultam, fazem desviar a atenção para a beleza ou para a literatura. Mas não é o que necessitas. O que precisas é pôr a palavra justa, a precisa, não dissimular baixo o símbolo para que alguém interprete e te deixe num lugar melhor do que estás. Não, precisas a palavra directa. Dizer em primeira pessoa: "sou eu, eu a que se enruga". Não inventar um narrador nem um "eu poético", não construir um labirinto com diferentes saídas para que escolhas tu que les. Preciso a primeira pessoa e a palavra justa.
(Mas para isso já está o correio ordinário com destinatárias precisas e necessárias, nele é que escreves a verdade. Com ela voltas a recuperar a tua posiçom)
Às vezes passas um periodo de seca. Tens tantas cousas na cabeça, no cabeção, que todo o resto emudece. Queres tirar algo de onde seja, fazer fluir de novo o rio, embora seja apenas um regato, algo, um pouco de líquido que vaia regando aos poucos o ventre, o fígado, o estômago, e mesmo esse órgão tão abandonado, tão maltratado...
Mas é a seca. Já não chove neste país. Não che chove. Por isso às vezes tens que recorrer a esses magros substitutos. Deitar um chorro de água por cima e contar o que não existe. Tirar, tirar, tirar da ausência.
Não é apenas um periodo de seca para isto, para esta esquina onde paramos as amigas a saudar, leliadourar-nos e querer-nos. É a seca. Porque aborreces o mundo e não sabes que contar que mereça ser contado. Não sabes se che importa essa história que algum dia nasce nos intermédios. Porque estás nessa época em que gostavas de deixá-lo tudo, ou se não arrasar. Provocar, gritar, dizer-lhe a todo o mundo que olhe ao seu redor, que não deixe de olhar ao seu redor.
Apesar de tudo, as secas tenhem também o seu final. Embora o câmbio climático.