Vou pra trabalhar e a festa ainda não acabou. A estação do trem é um lugar de passo entre a rave que ainda mantém uma música tecno estridentemente alta e a casa. São as 8 de uma manhã ainda fresca. Aproveitemos estes minutos de nuvens antes de maldizer o verão tão desejado. Surpreendo-me pensando como a adulta chata que sou. Entre a questão filosófica de tentar entender a onde vai a humanidade e a lembrança de que eu fui uma dessas em uma juventude não tão afastada. Talvez com menos tecno e menos drogas. Questão de gostos.
O final de festa desfila ante mim. Para mim. Enquanto espero o trem que atrasa no dia feriado aquelas pessoas vieram fazer o seu espectáculo para mim. Sozinha na estação, observo a sua coreografia como um filme ao que tenho o privilégio de assistir. Aquele casal que briga com um excesso de gesticulação faz pra mim. O homem de barba tem um ar teatral em cada aceno. O outro, o mais magro, parece especialmente magoado. A sua briga não tem contenção. Sorrio. Gosto da minha fantasia apenas justificada.
O grupo de moços que passa agora falando alto é também um grupo planificado com atenção. Caminham distantes os uns dos outros e isso faz com que tenham que falar cada vez mais alto. Gritam. Diria-se que atiram a sua alegria para mim que devo continuar mantendo a engrenagem.
Tem duas meninas que caminham em silêncio sustendo com dificuldade um resto de cerveja num copo de plástico. Por muito que tento não consigo imaginar qual é a sua história, tal é o inescrutável da sua expressão.
Passam mais e mais pessoas soas ou em grupo diante do meu corpo machucado de insónia. É feriado e neste tempo precioso de espera a cidade é minha.