Há frases muito bonitas que les e te seduzem. Frases pensadas como um doce para que saborees e goces como um prazer primário. Costumão servir para autoafirmar-te, sentir-te melhor, acreditar um pouco mais nas tuas limitações. A pouco que fiques parada, que as releias, reparas na falácia.
Rememoro uma da adolescência, copiada ritualmente no começo do caderno "O importante não é mudar o mundo mas que o mundo não te mude a ti".
Não seria nem a metade do que são se o mundo não me tiver mudado a mim. Se a vida não fosse limando rigideces, se não fosse colocando-me no meu ridículo lugar, se não me reduzisse ao tamanho justo... Que tipo de estúpido egocentrismo pode fazer que acredites tanto na tua certeza que não precises mudar? Qual é a dimensão dessa ignorância?
Provisionalmente, acredito noutra frase menos vistosa, sem fogos artificiais nem figuras retóricas. "O importante não é que o mundo não te mude, mas que a mudança te faga melhor pessoa."
Diz Mia Couto "Acredito que a essência do Homem e não ter essência". E fico desapontada. Que faço eu neste lugar mas que procurar essências, as minhas e as do Homem (com maiúscula ou minúsculta tanto faz, apenas é o mesmo homem). Talvez seja que a essência da Mulher é ter essências, em plural ilimitável e por isso ainda continuo a procura. Sei, com a incerteza na que já estou certa de habitar agora e para sempre, que esta é a procura que me manterá viva.
Mais adiante, Mia Couto reconcilia-me com ele e o Homem "No início, viajámos porque líamos e escutávamos, deambulando em barcos de papel, em asas feitas de antigas vozes. Hoje viajamos para sermos escritos, para sermos palavras de um texto maior que é a nossa própria Vida."
Sou fraca, as estações abanam-me e levam-me a onde querem. Se é outono amorrinho no sofá com copa de vinho, talvez charuto e sempre livro. Um espectáculo, um quadro, um tópico mais duma vida cheia de tópicos. Se é inverno faço o mesmo mas com um cobertor encima. E no canto de copo de vinho farto-me de antidepressivo chocolate.
Na primavera, a gente sabe, é um vir e ir continuo. Uns dias no cumio do monte, a gritar a felicidade porque não cabe dentro; outros, fazendo mergulho pola nostalgia e lamentando ter o que tenho e não ter o que desejo. Outro quadro tão parecido consigo mesmo. Outro tópico de entre os tópicos.
Sou forte, dou-lhe sempre a volta as estações. Sou capaz de gritar a felicidade no inverno e amorrinhar no verao. Apanhar a nostalgia aí bem onde lhe doi, olhá-la bem enfrente com a confiança que dão os muitos anos compartidos e ensinar-lhe os dentes. Não lhe tenho medo.
Sou tão predezível. Não é que sempre faça o mesmo ou que sempre tenha os mesmos pensamentos, dúvidas, confortos... Não. É que tenho o de toda a gente. Já li o roteiro em milheiros de filmes e em centos de livros. Já sei o que sucede. Agora são os 34 e toca sentir desta maneira, desfazer as malas por fim e guardar a roupa. Talvez deixar o saco-cama no carro para agarrar-me um tempo mais à juventude. Mas depois dos 34 virão os 35 e será... como toda a gente.
Não, não sou nada original. Mas olho-me no espelho e sou capaz de suster-me a olhada. Há algo nessa imagem que me satisfaz, algo de repetido, de visto, de predezível.
Sou eu... tão humana.
Voltar ao passado só um minuto. Tão leve como uma pena levada polo vento. Ficando em suspenso como ela, sem itinerário. São necessárias poucas cousas para voltar ao passado. Uma carícia no cabelo, uma foto, uma olhada... Tão fácil.
O que não é tão fácil é o futuro.
Quando vos falte nestas páginas, quando notedes a minha ausência nesta janela que nem é oral nem geográfica, alegrade-vos. Nesses dias estou vivendo para mim. Com um limite claro entre eu e o mundo. O mais provável é que não vos telefone, que não me encontredes pola rua e, se me vedes, estarei em absoluto silêncio. Não vos preocupedes nem me achedes em falta. Encho-me de mim mesma para ter algo que oferecer-vos a próxima vez.