Que parte da tua vida continuas a viver para ti? Não fará tudo parte do espectáculo? Às vezes, o único autêntico parece esse tempo deitada no sofá, completamente fora do mundo. Sem nada para fazer.
O resto dos dias assemelham-se demasiado a um espectáculo. Cada movimento parece um pedaço de coreografia para o público. Olhai-me, olhai-me como vivo. Este é o meu corpo, esta a minha forma de caminhar, esta a minha voz que modulo para vós, o meu olhar profundo, os meus pensamentos filosóficos, o meu sorriso sedutor... Tudo para vós.
Tudo menos os minutos em que, completamente quieta, mesmo suspeitosamente quieta, não tenho nada para fazer. Não quero nada.
O vazio apenas dura uns minutos, nem sequer diários.
Show must go on.
Di Daniel Salgado em Días no imperio:
todo amor é platónico, raquel,
mirarte. a historia
aínda non sabida pero que chega
pola mañá.
a unidade dos condenados.
a terra que pesa nos pés. toda
guerra é civil e o lugar natal,
húmido. síntese
o lique nos ollos, que foi
do amado?
o muro de pedra,
a gándara escavada,
a casa alta,
o comezo dos invernos,
as mans de estares.
o poema cando non hai presenzas abondo.
e
do que veña,
apenas un regreso, aquela cidade
ardida de adeuses ou os espazos compartidos
a destempo,
raquel.
(Tão a destempo)
Às vezes a lógica das cousas fica do revês -ou do direito, que diria Cortázar-, e procurando a explicação mais simples apenas és capaz de encontrar a difícil. A errada. Às vezes parece que o mundo pára porque um telemóvel não responde e não podes confirmar a cita que tinhas. Não achas possível solução alguma, talvez, pensas, tenha sucedido algo de muito grave para que não apanhem o telefone quando tu ligas. É impensável pensar que simplesmente, o telefone não exista. E continuas sem achar solução.
No lugar da cita, uma menina bonita espera que chegues. Estás a pouco mais de trezentos ou quatrocentos metros do lugar. Mas não existe nenhum mecanismo no teu cérebro que te leve até ali. Simplesmente. Fácil. Caminhando os duzentos, trezentos passos que em cinco minutos te colocariam ao lado da conversa, do calor, das olhadas limpas, das conexões cortazarianas.
Na casa, outra ferramenta tão maravilhosa como inútil neste caso, dá-che a solução, a simples, a verdadeira. Ficas terrivelmente desapontada porque tinhas verdadeira vontade desse encontro. Mas também pensas, como Cortázar, que talvez a lógica do mundo seja outra, e este desencontro, talvez, também tinha que ser. És capaz de transformar o desapontamento e torná-lo, de novo, em verdadeira e enorme vontade do encontro. Na próxima ocasão.