O problema é que agora já não há sol, não tenho a luz para evitar a metafísica. A chuva convida à melancolia, convida a música lánguida e os sentimentos lentos. Apesar do ruído que ao meu redor fazem um monte de adultos com um computador diante das mãos. Estou só, apesar do ruído.
Apenas vontade de autoafirmar-me, de evitar os risos e ficar apenas com um copo de vinho e um gosto de chocolate preto na ponta da boca. Preto, sem açúcar.
O mistério das coisas? Sei lá o que é o mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério
Quem está ao sol e fecha os olhos,
começa a não saber o que é o Sol
e a pensar muitas coisas cheias de calor
mas abre os olhos e vê o Sol,
e já não pode pensar em nada,
porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
de todos os filosófos e de todos os poetas,
a luz do Sol não sabe o que faz
e por isso não erra e é comum e boa.
(...)
Fernando Pessoa
Há poucas cousas mais puras que um corpo nu. Não existe a mentira. Não se pode enganar ninguém com todos os graos, as nódoas, os pêlos enquistados, os acúmulos de gordura à vista de quem queira olhá-lo
Não conheço uma forma de entrega mais generosa.
Existe amor além das palavras, além das minhas, compreenda-se. Mesmo existe quando digo não. Quando tento esconder a olhada porque me apanharam in fraganti e pode que as palavras mintam mas os olhos não. Sei que esse amor nada muda, que o mundo continua a girar na mesma direcção e fazem falta as mesmas 24 horas para dar-lhe a volta ao Sol. Que continuo a estar só. Da forma em que se está só quando amas a quem não te ama. Também sei, como se sabem as grandes verdades -com desconfiança- que não vou esperar. Não estou feita da massa que se fazem os dramas, sofro com um sorriso na boca e choro sem fazer ruído. Uma lágrima que esvara por uma meixela é uma música triste davondo.
Sei que o que sinto hoje amanhã terá uma cor diferente. Por isso não sou trágica. Terei uma nova menstruação e recuperarei a força.
O amor seguirá, mas eu também.
Cinco maravilhosos discos na aparelhagem, música de verdade para escutar escutar. O Sol que entra pola janela, mesmo o ár frio que entra pola janela, aberta. Dous jornais com todos os suplementos possíveis no chão. O jantar feito. O tempo. Todo o tempo. Um caderno real para escrever o que às vezes não pode ser virtual.
Havia tempo que não me sentia tam bem, embora o constipado.