Talvez haja algum sentido na repetição da rotina. Que cada verão por estas datas tenha a mesma sensação de tempo que se estira, que se alarga, de absoluta liberdade para ir ou vir. É uma rotina de há muitos anos, uma rotina que sempre me surpreende como se fosse a primeira vez. Igual de agradecida.
Na realidade, é a mesma sensação de milagre que sucede quando dia após dia o sol volta sair. A mesma sensação de magia porque tudo segue rodando, porque nada pára, mesmo quando deveria fazê-lo. Há algo de absoluta ciência fição na continuidade.
Cidades, tão maravilhosamente ruidosas, tão cheias de gente, de vida. Ter sempre a cabeça em algo, ter sempre um plano para a hora seguinte e todas as horas seguintes a essa. Como se não houvesse outra hipótese.
Mas de repente, passas três dias noutro lugar e desejas que sejam quatro. Passas quatro e desejas que sejam cinco... Num círculo infinito. Mudam os ruídos, muda a luz, o tempo multiplicasse sobre sim próprio. Não tés outra cousa, apenas tempo.
Notas como a cabeça se vazia, não há planos nos próximos cinco, seis, oito.... dias. Certeza, o mundo ao teu redor muda e tu mudas com ele.
Era isto que se chamava férias?
Sentada no avião somos duas, eu e a outra. Eu a que se vai, e a outra a que fica, e também do revés. Mantemos diálogos imposíveis e mais uma vez acredito na fantasia doutra vida. Nem melhor nem pior, outra. Gosto de pensar que são livre, que um dia qualquer vou decidir ir embora e não vai haver hipoteca nem trabalho fixo que mo impida. Gosto de pensar que são livre e por isso fico nesta vida, que é mesmo a que quero.
Eu e a outra falamos e quase nunca estamos de acordo. Temos debates acendidos em que nunca sei qual ganha, se é que há vitória possível num debate. Zangamo-nos porque no fundo sabemos que nos queremos, que a uma sem a outra não seríamos. Por isso no avião, tanto a que se vai como a que fica sorrim felices e gozam de novo da sensação de irrealidade que é ir, durante umas horas, por cima do mundo, sem tocar terra.